Viabilidade da hibridização de usinas na geração de energia elétrica
Nos últimos anos, uma mudança de paradigma vem ocorrendo na forma como os sistemas de energia elétrica são planejados e operados. A principal razão para isto é a expansão de tecnologias de baixo carbono para geração, transmissão, distribuição e consumo de eletricidade.
Profa. Dra. Thamiles Rodrigues de Melo
Nos últimos anos, uma mudança de paradigma vem ocorrendo na forma como os sistemas de energia elétrica são planejados e operados. A principal razão para isto é a expansão de tecnologias de baixo carbono para geração, transmissão, distribuição e consumo de eletricidade. Dentre estas tecnologias, a adoção das fontes de energia renováveis (FER) surgiu como uma solução interessante para o mercado de energia, alinhando-se aos três pilares da transição energética: descarbonização, descentralização e digitalização no setor elétrico.
Neste contexto, as usinas híbridas caracterizam-se pela combinação de duas ou mais fontes de energia em um mesmo arranjo, tais como a energia fotovoltaica e a energia eólica, para potencializar a geração de eletricidade e atender às demandas energéticas, sejam em áreas remotas ou em instalações existentes. Além disso, a exploração individual das FER enfrenta as limitações da sazonalidade e da intermitência na produção, na qual a integração de sistemas de armazenamento às usinas apresenta oportunidades para o gerenciamento do despacho de energia, permitindo a compensação adequada em períodos de tarifas mais altas.
Quando as fontes são consideradas de forma independente, o dimensionamento da rede elétrica exige considerar os picos de geração de cada fonte, levando ao superdimensionamento do sistema e ao aumento dos custos de energia. Assim, a realização de estudos de viabilidade técnico-econômica para usinas híbridas permite fornecer uma visão abrangente com relação aos aspectos do sistema elétrico, indicadores financeiros e análise de características específicas de instalação. Este tipo de estudo também permite uma abordagem estruturada para obter o melhor arranjo de novas usinas; uma avaliação das usinas existentes, que podem ser reconfiguradas como usinas híbridas, para alcançar maior eficiência energética; e a descoberta de novos ativos como FER para essas usinas.
O objetivo principal deste trabalho é analisar diferentes cenários de geração de energia voltados para a implantação de uma usina híbrida off-grid no interior do estado da Bahia, Brasil, por meio de um estudo de viabilidade técnico-econômica. A região em questão apresenta elevados índices de irradiação solar e ventos favoráveis, tornando-a propícia para o desenvolvimento deste tipo de estudo. Como procedimento metodológico, foram definidas seis etapas principais: (1) Seleção das FER para composição da usina híbrida; (2) Definição de localização da usina híbrida; (3) Aquisição de parâmetros de geração e dados operacionais; (4) Modelagem da usina híbrida; (5) Simulação da usina híbrida; e (6) Análise dos principais indicadores financeiros.
Referente às etapas (1) e (2), a usina híbrida em construção a ser avaliada é composta por um sistema fotovoltaico, turbinas eólicas e um sistema de armazenamento de energia em baterias, conectado diretamente a uma carga representando a cidade de Casa Nova, BA, escolhida como estudo de caso. Casa Nova é um município do semiárido nordestino e tem aproximadamente 71 mil habitantes numa área de 10 mil quilômetros quadrados, além de possuir parques eólicos com proximidade para geração local de energia e envio para a rede nacional.
Na etapa (3), o banco de dados das empresas e órgãos reguladores brasileiros (por exemplo, ANEEL, ONS e EPE) foi utilizado para caracterizar os ativos da usina híbrida e estimar os perfis de carga de Casa Nova durante os dias úteis e finais de semana. Com relação às etapas (4) e (5), foi empregado o software HOMER Pro, que apresenta uma plataforma especializada em otimização de usinas híbridas desconectadas da rede elétrica. Nas simulações, três cenários possíveis foram considerados para atender ao consumo total ou parcial de Casa Nova, com base na variação percentual da curva de carga definida para a cidade. Por fim, na etapa (6), cada cenário foi avaliado assumindo indicadores financeiros como o custo nivelado de energia (LCOE) e o período de retorno de investimento (payback simples), ambos relevantes na implementação de sistemas de geração de energia.
Na determinação da proporção ideal de fornecimento de energia para Casa Nova, os cenários destacaram diferentes informações relacionadas aos custos e otimização. No “Cenário 1”, onde a usina híbrida foi projetada para atender toda a demanda da carga (100% de energia consumida), foi considerado como o cenário mais caro devido requerer a construção de um parque solar de 75 MW, conectado a um parque eólico de 63 MW e um banco de baterias de 274 MWh. Por sua vez, no “Cenário 2”, onde a usina é proposta para atender metade da demanda da carga (50% de energia consumida), foi classificado como uma solução intermediária, obtendo um parque solar de 36 MW, com um parque eólico de 29 MW e um banco de baterias de 148 MWh. Para o último cenário, o “Cenário 3”, onde foi proposto que a maior parte da carga fosse atendida pela rede elétrica e o restante pela usina (25% de energia consumida), foi considerado como ótimo, compondo um parque solar e um parque eólico de 17 MW cada, além de um banco de baterias de 67 MWh.
A partir dos dados disponíveis para este estudo, elucidou-se que a adição de um sistema de armazenamento de energia na usina híbrida aumentou o custo da eletricidade e, consequentemente, elevou o LCOE total do sistema para uma faixa de R$ 565 a R$ 573 por MWh. No entanto, caminhos alternativos como a viabilidade de integrar a geração híbrida com sistemas de armazenamento de energia de hidrogênio (HydESS) são apontados recentemente como um método relativamente mais barato para armazenar energia renovável. Por outro lado, o valor de payback para implantação da usina híbrida variou entre 12 a 14 anos com base nos preços do mercado livre de energia, tendo uma duração inferior à vida útil operacional da usina, que foi estimada em 25 anos. Para as tarifas do mercado cativo de energia, o valor de payback reduziu em torno de 6 anos, tornando-se economicamente viável o estabelecimento desse tipo de usina no atedimento das necessidades energéticas de Casa Nova.
Nos próximos anos, as usinas híbridas de grande escala deverão ser a principal aposta da indústria mediante à elevada disponibilidade de energia dentro do arranjo, que consequentemente irá reduzir o preço da eletricidade e tornará atrativa essa forma de investimento. Outras oportunidades emergentes em torno da hibridização de usinas para geração de energia incluem: aplicações de inteligência artificial (IA) como parte do sistema de gestão de energia e uso de métodos avançados de controle para otimizar o desempenho das usinas, a fim de determinar a viabilidade desses ativos a longo prazo.
Portanto, o estudo de implantação de usinas híbridas deve considerar não apenas a abordagem técnica, mas também a governança energética, a sustentabilidade ambiental e o desenvolvimento econômico da região. É necessário reforçar a importância do investimento em projetos e pesquisas nacionais em geração de energia híbrida, sejam eles governamentais ou privados; além de estabelecer políticas que incentivem a integração das FER em sistemas híbridos, de forma a definir regulamentos claros para a conexão à rede elétrica e estruturas tarifárias de energia.
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